Greici Will

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O Casulo e a Borboleta — A Morte e o Luto

Por Greici Will

           Quando nos deparamos com a morte de alguém que amamos ou acompanhamos pessoas que perderam um ente querido, vivenciamos muitos sentimentos, entre eles a dor e a solidariedade.

           Na tentativa de minimizar o sofrimento muitas vezes tentamos interferir neste processo reorganizando as coisas para quem ficou, ou, tentando ocupar a pessoa para que esqueça sua tristeza. Contudo, é preciso saber que, por mais difícil que seja este período é necessário e importante que a pessoa enlutada possa ter um tempo para se restabelecer. Muitas coisas mudam quando perdemos alguém, os sentimentos por quem se foi não desaparecem imediatamente após o velório, os planos futuros e as lembranças do que vivemos também continuam ali e parecem transbordar de nossos corações como as lágrimas de nossos olhos. Além disto, em alguns casos a pessoa que ficou precisará assumir novas funções ou papéis sociais na família; a mulher que perdeu o marido terá que assumir sozinha a casa; o pai que agora não sabe fazer com as filhas os programas que a esposa fazia; na família que perdeu um filho e em cada refeição percebe um lugar vazio a mesa. Enfim, muitas coisas se perdem com quem se perdeu… Muitas coisas mudam quando se perde alguém.

           E como suportar esta dor? Ficamos com medo de mergulhar neste sentimento e nos afogar nesta vivência, é como se viver a tristeza fosse nos levar a um poço sem fundo do qual nunca mais conseguiríamos ser resgatados.

           Nesta hora vale lembrar que há coisas que não podemos apressar, é preciso ter coragem para enfrentar um processo de luto, e não fugir dele se atolando de trabalho ou evitando falar do assunto. É necessário vivê-lo, cada qual a sua maneira. Quando passamos por esta etapa temos a oportunidade de gradativamente organizar nossos sentimentos, nossos planos podem ser refeitos e as lembranças cedem lugar à saudade, nossa vida muda e aos poucos retomamos nossas rotinas.

           Este processo é o chamado período de luto.

           Podemos utilizar uma metáfora do luto com a metamorfose das borboletas para compreender este processo como deve ser, algo natural que faz parte da nossa vida. Eis a lagarta, que vive muito bem como tal, tem sua vida e enfrenta os perigos do seu dia a dia, em algum momento por conta de algo que ela não pode mudar ou controlar, se vê diante da necessidade de se recolher em seu casulo. Escolhe um lugar seguro e nos apresenta uma forma de se proteger e ao mesmo tempo se preparar para as mudanças que virão ao passar deste período. E como a lagarta que precisa de um tempo de recolhimento em um casulo, podemos pensar em alguém que está em processo de luto. É necessário dar um tempo para que as emoções possam se organizar. Afinal a vida não será mais a mesma, a lagarta ao sair do casulo assumirá uma nova forma de estar no mundo, assim a pessoa enlutada também terá que assumir novos papéis sociais.

           Não cabe aqui um julgamento desta transformação, como se a borboleta fosse melhor que a lagarta ou vice versa, o fato é que ao longo da vida perdemos e ganhamos, borboleta e lagarta são o mesmo ser, guardam sua essência, a metamorfose apenas transformou alguns aspectos. Assim é o processo de luto, ainda somos o que éramos, mas agora transformados por uma experiência marcante e muito dolorosa que muda nossa forma de pensar, agir e nos relacionar. A naturalidade e a beleza de uma metamorfose estão em acompanhar este processo sem apressar ou prolongar, não se pode abrir o casulo sem que a borboleta esteja pronta, isto a deixaria muito vulnerável. Também não se pode prendê-la por mais um tempo tentando protegê-la de um mundo selvagem.

           Vale lembrar que as borboletas passam por processos muito similares, mas cada uma faz seu processo de uma maneira única e quando menos esperamos as lagartas estão por aí livres de seus casulos, com seus corpos que agora tem asas que lhes permitem passear por novos campos e semear novas flores.

           Se a borboleta precisa do casulo para se transformar, assim as pessoas precisam de um período de luto após uma perda. E se cada uma escolhe onde fazer seu casulo, cada pessoa sabe do que precisa em seu período de luto, alguns choram mais, outros se retraem, há os que falam muito sobre o assunto, enfim, o melhor que podemos fazer é acompanhar este processo da maneira mais natural possível, entendendo que dói muito perder alguém e que manifestar esta dor pode ser uma maneira bem saudável de lidar com ela. Fortalecer os vínculos sociais e as redes de apoio que puderem acolher este sofrimento e dar um lugar a esta vivência sem determinações ou julgamentos. É preciso acreditar que se aquela lagarta pode virar uma linda borboleta, este que hoje sofre poderá sim superar sua perda.